Fiquei intrigado e desafiado com a entrevista que Bono, vocalista e líder do U2, deu a um repórter da Veja, numa edição de dezembro de 2004. Ver a lucidez deste músico, sua herança religiosa, sua coerência desarmando seus críticos que achavam que seu envolvimento seria passageiro, sua clareza nas questões mundiais que afetam a todos, seu compromisso com causas de promoção humana, sociais e ambientais. E, comparando, perceber a dificuldade dos líderes e artistas se mobilizarem para contribuir ao bem comum não só fora, mas dentro da igreja, inclusive em “sua tribo”.
Os empresários e “managers” recomendam como parte da imagem de artistas e esportistas, o “politicamente correto” envolvimento em causas e projetos sociais. Mas é fácil perceber aqueles que nem sabem direito o que estão fazendo, sem consciência de uma atuação cristã, apenas representando e cumprindo um papel.
Depois de muitos anos envolvido com diversas associações e cooperativas na área da música, buscando refletir e trazer contribuições para a problemática da área das artes em geral, principalmente dentro do ambiente evangélico, tento buscar ainda motivação para trabalhar junto e procurar de alguma forma ainda trazer alguma contribuição geral. A convicção continua firme: É bem melhor serem dois do que um.
Cansei de encontros que refletem uma unidade apenas cosmética, com muitos outros interesses atrás e correndo junto, ferindo e deixando à margem muita gente séria na área de adoração e de música. Vários querendo tirar casquinhas e proveito para seus trabalhos e ministérios pessoais, sem cuidado com o bem comum da área, e muito menos com as repercussões em seus nichos e sociedade em geral.
Dói ver o desrespeito e desinteresse dos líderes eclesiásticos com a vida e problemática dos artistas, de suas famílias, de sua arte, muitas vezes não compreendida e nem encorajada no caminho da excelência e profissionalismo com que o fazem. Alguns fazem um juízo “discriminado” achando que somente os músicos tem problemas morais, familiares, éticos e de compromisso! Somente muita ingenuidade ou má fé pode perpetuar este pensamento. Os que trabalham e vivem na igreja e lidam com aconselhamento podem rapidamente desfazer este engano.
Quando vejo o quadro atual, não encontro muito ânimo, mas temos que continuar andando, tentando colocar mais um tijolinho aqui e acolá. Creio que existem alguns fatores e realidades que explicam em parte esta desunião, desilusão, descompromisso com o bem comum e falta de mobilização geral. São eles:
1. Falta de compromisso com Deus e com o Reino. Muitos foram equivocadamente discipulados, receberam apenas uma visão distorcida do mundo “gospel”, buscando construir seus próprios reinos. Precisam de mentores sérios!
2. Egocentrismo exacerbado de vários artistas, no mover do coração enganoso, buscando a todo custo seus interesses pessoais, e a qualquer preço a fama e seu lugar ao sol. Movidos por uma espiritualidade equivocada e experiências localizadas, tentam manipular e “fazer a cabeça” dos ouvintes tornando seus modelos e linhas de adoração santificados e sacralizados.
3. Muitos líderes em igrejas locais exploraram, enganaram e machucaram muitos músicos e artistas, que sinceramente se doaram para seus trabalhos e ministérios, usando estes para trazer brilho e crescimento para seus trabalhos e nunca se preocuparam em olhar estas pessoas com respeito e dignidade através da oração, amizade e sustento.
4. Desconfiança instalada no coração dos músicos e artistas,pelas experiências negativas que tiveram no exercício de seu ministério ou de sua arte no passado, inda mais vendo o que acontece hoje em nosso meio, teológica e comercialmente falando.
5. Falta de visão, ignorância, e seriedade de líderes e pastores nesta área tão vital, que insistem em manter uma mentalidade fechada, alienada e de distorcida santificação, escondida no chamado “zelo” pelas instituições, tradições e doutrinas, além da contínua omissão de ação social e presença em causas de promoção humana.
Enfim, precisamos redescobrir o valor e a benção de caminharmos juntos, de atuarmos juntos, de buscarmos acordos e ações coletivas coerentes e corretas em seu conteúdo e prática, de redescobrirmos caminhos de construção de relacionamentos mais sinceros e transparentes. Será que precisamos de Tsunamis constantes para perceber o valor do outro e de se trabalhar pelo próximo?
Que Deus nos dê renovo para caminharmos em ações coletivas, apesar de todas as vozes e marcas que temos no meio evangélico, que ainda reverberam e nos desestimulam. Pessoalmente, estou dando mais um passo em minha caminhada cristã, colaborando com o ISA (Instituto Ser Adorador, www.seradorador.com.br), que se propõe a ajudar igrejas, líderes, músicos e artistas da igreja brasileira em sua atuação na adoração pessoal e comunitária, associando as artes com ações sociais, humanitárias e missionárias.
Certamente você leitor, em seu contexto pessoal, tem sentido também desafios de engajamento e serviço em várias frentes. Continue usando sua vida, seu ministério, sua música, sua arte, para a glória de Deus e serviço ao próximo. Que não cansemos ou desanimemos de fazer o bem, de atuar coletivamente e em parcerias, olhando para além de nossos trabalhos e ministérios.
FONTE: NELSON BOMILCAR
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